terça-feira, 5 de abril de 2011

noite quente. duas lágrimas sentidas escorrendo pela face. no cd player uma música triste se repetia e forever and ever ela soluçava encarando o teto do quarto. e pensava se ia começar tudo de novo: novas esperanças, ciranda de pequenas doces alegrias, paz. tudo brutalmente arrancado após sucessivas decepções. o soluço ela tentava estrangular. inútil mostrar para o mundo a dor que era dela só. o visor do celular acusando as horas de sono perdidas naquela luta insana contra as agonias do corpo. ela feito um quixote lutando contra moinhos de desespero e dor. completamente solitária, não fossem os papeis, canetas e uns fiapos de lucidez linguística. sabia que a loucura estava à espreita. mas enquanto pudesse escrever sobre essa dor estaria salva. porque a loucura é quando a sintaxe está a serviço de uma semântica toda peculiar. e ela ainda não dava bom dia aos cavalos. seu resto de sanidade feito uma tocha nas mãos de uma criança em plena rua escura. no meio da noite, quando a exaustão vencia o corpo, ela finalmente repousava. por alguns instantes. 

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

dias quadrados. tv, controle remoto, box do chuveiro, janelas. tudo quadrado em volta e a mídia querendo vender ilusões arredondadas aos tolos de plantão. ela desliga o televisor, arranca a roupa e entra no banheiro. um banho frio numa caixa retangular. sabonete retangular. ela repara em todas essas formas rígidas que a cercam. nunca parou pra prestar atenção em detalhe tão mínimo. viveu anestesiada esse tempo todo: sonhando com nuvens, querubins rechonchudos de fartas bochechas, corações vermelhos emoldurando caixas de bombom. enquanto ensaboa as nádegas - forma genuinamente arredondada naquele cubículo - lembra de toda uma vida em que, sem se dar conta, esteve cercada de rigidez. rigidez das formas quadradas e retangulares. seu rg, seu cpf, sua certidão de nascimento, seu primeiro contrato de trabalho e até os boletins da escola (tempos remotos). tudo posto em formas rígidas. e logo ela, tão avessa à rigidez de qualquer coisa. ela, que tanto preza a maleabilidade, a maciez, as curvas perigosas das estradas e dos desejos secretos. fecha o registro do chuveiro e pega a toalha branca. mais uma vez as formas rígidas - extremidades da toalha. se irrita profundamente. esquece que detrás da rigidez da forma existe a maciez que seca sua pele molhada, perfumada de alfazema.  

domingo, 6 de fevereiro de 2011

siririca alone forever. ela mergulha os olhos num ponto fixo daquele semibreu e alucina. vê oásis. vê sereias entre nuvens de ondas. vê atrizes de novelas. atores galãs. tudo se mistura e ela nem quer saber quem vai pra cama com ela naquela noite em sonhos. a luz azul do aparelho de som ligada - pra criar um climinha. começa o movimento. a dança solitária. agora os olhos estão revirando, buscando no banco de dados algum rosto e corpo aprazível. ela não quer música. nenhum outro ruído além do seu gemido mental ela quer ouvir. os sons do prazer que tanto lhe agradam - compulsoriamente abafados pela conveniência. nessas horas também lembra o quanto seria bom ter seu espaço. sua casa. uma casa inteira só dela. ela não exige cobertura de frente pro mar. duplex. triplex. zilhões de suítes. ela quer um império só seu. ainda que diminuto. os movimentos agora mais ligeiros. espasmos do corpo. choque de um prazer forjado pra ser dela só. estremece inteira. a petite mort se aproxima. gemido abafado. peito arfando. respiração entrecortada. prazer e dor. dor de ter que ocultar seu prazer até de si. um misto de revolta e mais uma pequena satisfação. levanta, vai ao banheiro e toma uma chuveirada fria. deita e sonha que está sendo acarinhada. adormece entre querubins de fábula. amanhã será outro dia e ela terá que acordar do sonho e forjar tudo outra vez. forever and ever. 

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

mais um verão barbarizante e ela deitada nua sobre a colcha. na porta apenas um frágil trinco protege a intimidade de sua nudez tão obcena porque solitária...o som ligado tocando as 132 faixas de rock leve. ela olha o teto e refaz na mente o desenho daquele rosto delicado..e delira. e já não vê mais nada. só um par de olhos pretos, cabelos também pretos emoldurando um delicado rosto...uma boca toda desenhada pro beijo de amor. delira. mais uma noite daquelas: sonhar acordada com saudade do que nunca viu/viveu...vai se mirar no espelho d'água imaginário do teto. vai se tocar. se lambuzar do próprio mel que ela mesma colheu. uma entrega só e triste. é quando seus olhos já sem brilho vão despertar porque já amanheceu e outro dia vão se inicia.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

espera o ônibus na rodoviária desembrulhando bala. dá um gole n'água (a boca sempre seca demais). nunca esquece os óculos. o olhar acena sempre pra mesma placidez. e logo nas primeiras curvas da estrada sente a náusea. vomitar onde? vômito que chama mais vômito. vômito que nunca cessa. daqui a pouco vem a bile. billie holiday nos ouvidos. quando pensa no dia 15 do mês, a náusea vai passando. pensa naquele xampu para os cachos, pensa na água de colônia para depois do banho que ninguém vem sentir de perto. mas ela gosta de estar sempre perfumada. é sua obsessão. pensa na trilha sonora da novela das sete. a náusea vai passando. o cobrador se aproxima e exige em silêncio dinheiro trocado pra passagem. ela sempre tem que ter dois reais e quinze ou dois e cinquenta. ela está rodeada de acordos tácitos. desce do ônibus e preocupada separa mais dois reais para o mototaxi que nunca tem trocado. "tudo bem, depois você me devolve"..e fica por isso mesmo. sente pena das crianças que sobem aquela ladeira da escola todo santo dia debaixo de sol quente. mas depois a pena passa, logo que dobra a esquina e desce da moto e paga o moço. ela olha desolada pra carteira vermelha. o dinheiro esvaindo...será que vai dar até o fim do mês? e pensa que a coitada é ela. as crianças são espertas. guardam trocados pro lanche. ela mal se aguenta nas pernas. calor, náusea, sono, náusea, calor, autopiedade. quando tenta pensar positivo, ela lembra que cada dia que passa é um dia a menos. e não volta mais. quantos dias faltam? todo ano tem natal, reveillón, carnaval. todo ano tem páscoa. todo ano ela fica mais velha. e o azar é só dela.