quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

dias quadrados. tv, controle remoto, box do chuveiro, janelas. tudo quadrado em volta e a mídia querendo vender ilusões arredondadas aos tolos de plantão. ela desliga o televisor, arranca a roupa e entra no banheiro. um banho frio numa caixa retangular. sabonete retangular. ela repara em todas essas formas rígidas que a cercam. nunca parou pra prestar atenção em detalhe tão mínimo. viveu anestesiada esse tempo todo: sonhando com nuvens, querubins rechonchudos de fartas bochechas, corações vermelhos emoldurando caixas de bombom. enquanto ensaboa as nádegas - forma genuinamente arredondada naquele cubículo - lembra de toda uma vida em que, sem se dar conta, esteve cercada de rigidez. rigidez das formas quadradas e retangulares. seu rg, seu cpf, sua certidão de nascimento, seu primeiro contrato de trabalho e até os boletins da escola (tempos remotos). tudo posto em formas rígidas. e logo ela, tão avessa à rigidez de qualquer coisa. ela, que tanto preza a maleabilidade, a maciez, as curvas perigosas das estradas e dos desejos secretos. fecha o registro do chuveiro e pega a toalha branca. mais uma vez as formas rígidas - extremidades da toalha. se irrita profundamente. esquece que detrás da rigidez da forma existe a maciez que seca sua pele molhada, perfumada de alfazema.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário