quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

espera o ônibus na rodoviária desembrulhando bala. dá um gole n'água (a boca sempre seca demais). nunca esquece os óculos. o olhar acena sempre pra mesma placidez. e logo nas primeiras curvas da estrada sente a náusea. vomitar onde? vômito que chama mais vômito. vômito que nunca cessa. daqui a pouco vem a bile. billie holiday nos ouvidos. quando pensa no dia 15 do mês, a náusea vai passando. pensa naquele xampu para os cachos, pensa na água de colônia para depois do banho que ninguém vem sentir de perto. mas ela gosta de estar sempre perfumada. é sua obsessão. pensa na trilha sonora da novela das sete. a náusea vai passando. o cobrador se aproxima e exige em silêncio dinheiro trocado pra passagem. ela sempre tem que ter dois reais e quinze ou dois e cinquenta. ela está rodeada de acordos tácitos. desce do ônibus e preocupada separa mais dois reais para o mototaxi que nunca tem trocado. "tudo bem, depois você me devolve"..e fica por isso mesmo. sente pena das crianças que sobem aquela ladeira da escola todo santo dia debaixo de sol quente. mas depois a pena passa, logo que dobra a esquina e desce da moto e paga o moço. ela olha desolada pra carteira vermelha. o dinheiro esvaindo...será que vai dar até o fim do mês? e pensa que a coitada é ela. as crianças são espertas. guardam trocados pro lanche. ela mal se aguenta nas pernas. calor, náusea, sono, náusea, calor, autopiedade. quando tenta pensar positivo, ela lembra que cada dia que passa é um dia a menos. e não volta mais. quantos dias faltam? todo ano tem natal, reveillón, carnaval. todo ano tem páscoa. todo ano ela fica mais velha. e o azar é só dela.

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